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O Furor Divinus segundo Francisco de Holanda e suas fontes.

por Teresa Lousa
Artículo publicado el 11/11/2013

A noção de Inspiração Artística ganha um lugar de destaque na Teoria da Arte do final do Renascimento e podemos dizer que apesar de ter as suas raízes na Antiguidade clássica, é neste período, graças a uma apropriação do conceito, que este ganha uma nova vitalidade.

Francisco de Holanda (1517-1585) é um humanista, artista e importante teórico de arte português do séc. XVI que na sua obra dará especial ênfase ao papel da Inspiração no processo criativo. Apesar de rasgos de originalidade que podemos atribuir a este autor, as suas fontes são determinantes.

Na sua obra há uma defesa da importância da originalidade na criação artística como categoria estética fundamental. O verdadeiro artista será entendido como alguém cujo processo criativo, não mimético, é sempre original e sem precedentes, partindo da ideia ou imagem mental, que se situa no lugar mais secreto que temos, o pensamento. Valorizando a ideia, enquanto processo mental, em detrimento da execução, aspecto manual, Holanda está a destacar o estatuto intelectual do artista, entendido como aquele que pensa a arte. O momento da Ideia, é o da concepção e tem o primado sobre a Execução. Holanda determina que a maior parte da obra de arte esteja feita antes de ser executada pela mão. Defende, tal como Leonardo da Vinci, que a Arte é um processo mental, é uma declaração do pensamento. A Pintura é contemplação activa, isto é, será determinada pelo momento da invenção ou concepção e torna-se activa quando o artista lhe dá expressão empírica e material.

A originalidade da obra de arte parte da Ideia interior e o processo criativo é descrito por Holanda como um furor divino, em que o primado da visão interior supera a necessidade dos órgãos dos sentidos. Estando a ideia definida, o momento da execução artística deve ser veloz. O artista:

(…) porá velocíssima execução à sua idea e conceito, antes que com alguma perturbação se lhe perca e diminua; e se ser pudesse pôr-se com o stylo na mão e fazê-la com os olhos tapados, melhor seria, por não se perder aquele divino furor e imagem que na fantesia leva. (1)

A fase da exteriorização da ideia corresponde ao esquisso, uma espécie de esboço, de rascunho, trata-se de uma fase que tem o privilégio de não obedecer a regras racionais, é a manifestação da ideia que se dá quase de forma automática e incontrolável, em obediência ao divino furor e que antecede o desenho.

O furor divino, de que nos fala Holanda, é um conceito que no seio da Filosofia Renascentista e florentina estava muito em voga. Há uma equivalência evidente entre o conceito de “furor divino” e o de Inspiração. Este conceito é adoptado pela Academia de Careggi com ardor e divulgado essencialmente por Marsílio Ficino. A recuperação desse conceito nasce em parte do fascínio pelos clássicos, da leitura apaixonada de Platão e de outros autores da Antiguidade.

É em Landino, em 1482, que encontramos a primeira referência renascentista a este conceito, num comentário acerca de Dante, afirma, parafraseando Platão que a origem da Poesia é o Furor Divino:

“Ma che l’origine della Poesia sai piú eccelente che l’origine delleart umane, si manifesta (…) perche il divino furore, onde há origine la poesia, e piu excellente che la eccellenzia umana onde hanno origine le altri arti.” (2)

Também Christoforo Marsuppini, comentador de Ficino, tendo em mente o diálogo Fedro de Platão, defende que há quatro tipos de Furor Divino: o furor poético, o dos mistérios sacerdotais, o dos profetas e o do amor.

A grande referência destes humanistas é Platão, em particular o segundo Discurso de Sócrates em Fedro, onde este irá tecer uma série de considerações acerca da Mania, delírio ou loucura inspirada pelas musas. Este estado delirante não é pejorativo, pelo contrário, é uma virtude, porque tem origem divina. A loucura inspirada pelos deuses é, pela sua beleza, superior à sabedoria da qual os homens são autores:

“Seja quem for que, sem a loucura das Musas, se apresente nos umbrais da Poesia, na convicção de que basta a habilidade para fazer o poeta, esse não passará de um poeta frustrado, e será ofuscado pela arte poética que jorra daquele a quem a loucura possui.” (3)

Para Ficino a inspiração não é apenas um abandono da mente às forças irracionais como defendera Platão, pelo contrário, trata-se de uma operação extraordinária da mente do génio, onde entram em acção a memória, a inteligência e a sensibilidade. Ficino através dos seus comentários de Fedro e de Íon de Platão é portador de um novo tipo de Homem, que corresponde aos anseios da Renascença. Para além disto, há neste autor uma tendência claramente astrológica, cosmológica e mística, como é próprio do seu pensamento, atribuindo a origem do furor às esferas mais elevadas do cosmos. Ficino atribui aos Profetas e aos Santos, também susceptíveis a entrar em êxtases ou a terem revelações divinas como é o caso de São Paulo, o Furor Divino (4). Para este filósofo, o Furor Divino é uma iluminação divina, que só pode ser contemplada em cegueira, dando o exemplo de Homero que sendo cego foi de todos o mais inspirado dos poetas (5). Talvez por isso Holanda enfatize a imagem desconcertante do pintor desenhando com os olhos tapados (6), reforçando assim a importância do olhar interior, como aquele que capta a ideia ou imagem no pensamento, passagem que lembra inevitavelmente a expressão medieval “olhos interiores” de Santo Agostinho.

Apesar de Platão ter sido a grande fonte do conceito de Furor Divino, que maravilhou estes humanistas, podemos encontrar na Antiguidade Clássica outros registos, filosóficos e poéticos, que não só podem ter constituído as fontes de Platão, como podem também ter marcado os autores do Renascimento ávidos da leitura e da tradução dos textos clássicos.

A Poesia era para os gregos uma manifestação artística que não cabia na categoria da techné, isto é, não dependia de cânones nem de leis universais, mas sim da Inspiração. A Poesia estava acima de todas as artes. Havia Musas para todos os tipos de poesia: lírica, elegíaca, erótica, tragédia, comédia e relacionadas com estas surgiram também musas associadas à música e à dança, artes que sempre estiveram associadas à poesia, mas nunca houve Musas de Artes Visuais.

Em Homero a poesia não é vista como uma arte autónoma, mas como um privilégio que vem dos deuses. A sabedoria dos poetas vem das Musas (7). Os poetas são louvados acima de todos os mortais, pois a eles as Musas amam e ensinam (Odisseia, VIII, 487).

Também Hesíodo, no início da Teogonia, clama pelas suas musas inspiradoras, pois delas dependem os poetas para iniciar a actividade criativa, são estas que ensinam a Hesíodo o belo canto e que pelas suas palavras afirmam:

“Sabemos contar muchas mentiras que parecen verdades, y sabemos tambíen, cuando queremos decir esas verdades.” (8)

Também Demócrito, tradicionalmente considerado um filósofo pré-socrático, apesar de ser contemporâneo de Sócrates, considera a criatividade e a inspiração um estado especial da mente, diferente do vulgar. Esta tese dará origem à associação entre Inspiração e “possessão divina”, ou “loucura das musas”. Demócrito faz depender o talento artístico, não tanto da possessão das musas, mas da loucura, como um estado especial da mente:

“Tudo o que um poeta escreve com entusiasmo e sopro sagrado é, sem dúvida, belo.” (9)

Estas afirmações que antecedem os diálogos platónicos são as primeiras reflexões acerca da Inspiração artística, e tanto estas como as de Homero se fazem ecoar nos diálogos de Platão, nomeadamente em Íon e Fedro.

Em Íon, Platão defende que não é através da aprendizagem que os poetas criam os seus belos poemas, mas porque estão possuídos, fora de si, numa espécie de êxtase criativo. Neste diálogo Platão desresponsabiliza totalmente o poeta do seu poder criador, fazendo-o depender integralmente da inspiração divina:

“Com efeito, o poeta é uma coisa leve alada, sagrada; e não consegue criar, antes de sentir a inspiração, de ficar fora de si e o pensamento não habita mais nele; até que tenha essa aquisição, todo homem é incapaz de compor e de proferir oráculos.” (10)

Enquanto na Antiguidade e no Humanismo a tendência foi a de conceder o dom extraordinário da inspiração, como critério estético de qualidade e de autenticidade, aos poetas, aos filósofos, aos apaixonados, aos visionários e aos profetas (11), Francisco de Holanda, por sua vez, associa definitivamente o furor divino à Pintura e às artes visuais, através da sua tese original, na qual apresenta a imagem de um artista que pinta de olhos vendados para melhor captar a sua ideia interior, promovendo assim definitivamente o artista de mero executante mimético a docto pictor.

* Imagens tiradas a partir de Bibliodyssey.blogspot.com

 

Notas
1 Francisco de Holanda, Da Pintura Antigua, Lisboa: INCM, 1984 pp. 92- 93
2 Landino, Dante con l’espositioni in Concetta Carestia Greenfield, Humanistic and Scholastic Poets, 1250-1500, Toronto, Associeted University Press Inc., 1981, p. 227
3 Platão- Fedro. (245 a) Lisboa: Guimarães Editores. 1994, p. 56
4 Marsilio Ficino- Platonic Theology Volume 4, Books XII-XIV, London: The I Tatti Renaissance Library, Harvard University Press, Cambridge, Massachusetts, 2004, p. 129
5 Ibidem, p. 179
6 Francisco de Holanda, Da Pintura Antigua, INCM, p. 93
7 Homero – Íliada, II, 484 “Et maintenant, dites-moi, Muses, habitantes de l’Olympe – car vous êtes, vous, des déesses: partout présentes, vous savez tout, nous n’entendons qu’un bruit, nous, et ne savons rien “ Homère- Íliade, Tome I, Paris: Les Belles Lettres, 1937, p. 48
8 Hesíodo- La Teogonia, Los Trabajos y los Dias, El Escudo,Madrid: Libreria Bergua, s.d., p. 28
9 Demócrito- Fragmento 18 in Quintus Horatius Flaccus- Arte Poética, tradução e notas de Mauri Furlan, nota 65, http://www.latim.ufsc.br/986ED7F3-3F3A-4BC2BBE3A3514D872AC1.html
10 Platão- Ion, Lisboa: Edições Inquérito, 1988, (534c) p. 51
11 “L’ars platonica ne concerne pas directement les arts plastiques mais le succès de la doctrine invitait fatalement à leur appliquer tôt ou tard la théorie du «souffle divin», comme aux autres «disciplines libérales», au nombre desquelles, l’Académie est d’accord pour les placer.” André Chastel, Marsile Ficin et l’Art, Genève: Librairie E. Droz, 1954, p. 133
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